terça-feira, maio 12, 2009

Mais um dia




Final da tarde. Enquanto o Sol se vai aproximando do horizonte, chega-me do rádio, a companhia da Deolinda.

"Dizem que é mau, que faz e acontece
arma confusão e o diabo a sete
agarrem-me que eu vou-me a ele
não sei o que lhe faço
desgrenho os cabelos
esborrato os lábios"


Não vem sequer a propósito de nenhum pensamento, mas também não estava a pensar, de todo.

"se não me seguram
dou-lhe forte e feio
beijinhos na boca
arrepios no peito"


Sigo pelo asfalto, deixo entrar a melodia no corpo, refrescar o espírito, sacudir o cansaço.

"e pagas as favas
eu digo: - enfim,
ó meu rapazinho
és fraco para mim!"


Um sentido de vazio, um desejo de realização, como de costume vão tomando conta de um cérebro dormente, afogado em rotinas asfixiantes, preso a severas ancoras.

"De peito feito ele ginga o passo
arregaça as mangas e escarra pró lado
anda lá, ó cobardolas
vem cá mano a mano
eu faço e aconteço
eu posso, eu mando"


Já não sei onde estou. Perdi-me na ausência de emoção, no desinteresse e abstracção geral.
Abro a janela. O ar exterior desgrenha o torpor mental e traz uma inesperada lufada de vida a uma existência decrépita.


"e pagas as favas
eu digo: enfim,
ó meu rapazinho
sou tão má para ti!

Ó meu rapazinho, ai
eu digo assim:
- Se não me seguram
dou cabo de ti!"


Final da tarde, termina mais um dia.
Desliga-se o rádio, liga-se a inexistência, baixam gradualmente as trevas sobre os insustentáveis gritos do silêncio.



Texto: Toni
Música: Deolinda - Fado Toninho
Imagem retirada da net

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