O sol brilhava bem alto, naquela tarde. O vento mostrava alguma revolta, soprando com muita força. A praia estava deserta, ou quase deserta, uma vez que um teimoso, o mesmo de sempre, estava no sítio do costume. Aquele menino, que morava a dois passos da praia, costumava levar o seu papagaio de papel até ao areal, para passar o tempo. Corria, de um lado para o outro, procurando a melhor corrente de ar, para que o papagaio voasse bem alto.
Às vezes, prendia o papagaio, no chão. Sentava-se a olhar para ele, não deixando de se aperceber da distância. O menino nunca deixava de ter os pés bem assentes no chão. O papagaio, com a ajuda do vento certo, voava quase como queria. Por vezes, o voo corria de forma tão perfeita, que o menino pensava que o papagaio tinha vontade própria.
Pensava em como poderia, caso fosse capaz de voar, atingir pontos bem altos, no céu, para poder olhar em volta e ter um horizonte interminável. Perguntava-se como seria o Mundo, para lá do horizonte. Como teriam sorte aqueles que voavam, nem que fosse ao sabor do vento, como o papagaio de papel, para saber o que estava para lá da linha limítrofe do alcance visual de cada um. Sentia vontade de perguntar ao papagaio de papel como era o Mundo para lá do horizonte. Mas sabia, no fundo, que nunca teria resposta. Sabia que podia, apenas e só, olhar o papagaio, desde o chão.
O menino cresceu e tornou-se um homem de sucesso. Presente em decisões importantes, na sua cidade e no seu país, tornou-se um viajante, sempre atrás de aprender algo, sempre sem tempo para mais nada, senão correr. Apercebeu-se, em muitas casos, da existência de pessoas que sofriam, de pessoas que tinham uma vida muito mais difícil do que fora a sua. Sentiu a tristeza de não ser capaz de ajudar, de fazer mais do que um simples gesto de solidariedade, de deixar cair uma gota de humanidade num oceano de sofrimento. No fundo, percebeu que nem tudo era belo, para lá do horizonte.
Um dia, voltou à praia onde brincava, na sua infância. Sentou-se um pouco, apreciando a manhã de sol que se tinha levantado, naquele dia. Ao fundo, viu um barco no mar. Imaginou o tripulante do barco, a vencer ondas e correntes, a vencer o horizonte, a cada segundo. Imaginou que por ali também se poderia descobrir o que está para lá da linha, sem ser preciso voar, como o papagaio de papel. Pensou que, no fundo, navegar é voar baixinho.
Um menino apareceu, com um papagaio de papel. O homem, que um dia também ali estivera, com o mesmo passatempo, lembrou-se da vontade que sempre teve de perguntar ao papagaio de papel o que estava para lá da linha. Lembrou-se da tristeza que sentia em saber que tal pergunta nunca teria resposta, enquanto não fosse ele a vencer o horizonte.
O vento tornou-se mais forte e a linha que segurava o papagaio de papel do menino rebentou. O papagaio voou bem alto, até começar a desenhar uma trajectória que o levou, em pouco tempo, para bem longe daquela praia. O menino ficou imóvel, a ver o brinquedo afastar-se, cada vez com mais velocidade. O homem olhou para o papagaio de papel e pensou que ele iria, a partir dali, conhecer o Mundo, enquanto o vento deixasse. Sabia também que o papagaio não iria descobrir apenas as belezas do planeta. Encontraria o que existe, em todo o lado, seja belo ou não.
João Nogueira Dias, Conto publicado na edição de 29 de Maio de 2011 do jornal Correio do Minho.
Imagem retirada da net
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