sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Eterna verdade


(...)
Sentiu-se melhor depois da decisão de ser apenas mais um dos do bando. Daí em diante não haveria mais laços a prendê-lo à força que o levara a aprender, não haveria mais desafios nem mais fracassos. E era bom deixar de pensar, e voar no escuro em direção às luzes da praia.

"ESCURO!" A voz irreal estalou em alarma. "AS GAIVOTAS NUNCA VOAM NO ESCURO!"

Mas Fernão não prestava atenção e não a ouvia. "É bom", pensava. "A Lua e as luzes brincando na água, atirando à pequenos lampejos, e tudo tão calmo, tão parado..."

"Desça! As gaivotas nunca voam no escuro! Se estivesse destinado a voar no escuro teria olhos de coruja! Teria mapas em vez de miolos! Teria as asas curtas do falcão!"

Envolto na noite, a trinta metros no ar, Fernão Capelo Gaivota... pestanejou. A dor e as resoluções desvaneceram-se.

Asas curtas. AS ASAS CURTAS DO FALCÃO!
"É isso! Como fui louco! Tudo o que preciso é de uma asinha curta, tudo o que preciso é fechar as asas o mais que puder e voar só com as pontas! ASAS CURTAS!"

(...)
"Quando souberem do triunfo", pensava, "ficarão loucos de alegria. Como vale a pena agora viver! Em vez da monótona labuta de procurar peixe junto dos barcos de pesca, temos uma razão para estar vivos! Podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! PODEMOS APRENDER A VOAR!"

(...)
— Fernão Gaivota — disse o Mais Velho — é chamado ao centro por vergonha aos olhos das gaivotas suas semelhantes!

Foi como se lhe batessem com uma tábua. Os joelhos enfraqueceram-lhe, um enorme rugido ensurdeceu-o. "Ser chamado ao centro por vergonha? Impossível! O triunfo! Eles não podem compreender! Estão errados, estão errados!"

— ... pela sua desastrada irresponsabilidade — entoava a voz solene —, por violar a dignidade e a tradição da família das gaivotas...

ser chamado ao centro por vergonha significava que seria banido da sociedade das gaivotas, desterrado para uma vida solitária nos Penhascos Longínquos.

— ... um dia Fernão Capelo Gaivota aprenderá que a irresponsabilidade não compensa. A vida é o desconhecido e o desconhecível, mas não podemos esquecer que estamos neste mundo para comer e para nos mantermos vivos tanto quanto pudermos.

(...)
Fernão Gaivota passou o resto dos seus dias sozinho, mas voou muito além dos Penhascos Longínquos. A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na gloria do vôo que as esperava. Recusaram-se a abrir os olhos e ver.



Richard Bach in Fernão Capelo Gaivota
Foto retirada da net

1 comentário:

Anónimo disse...

Não se recusaram. Recusar já é uma escolha. Não tem escolha quem nem pensa que pode ter.