sexta-feira, outubro 30, 2009

Mulheres de Atenas



Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seu maridos,
orgulho e raça de Atenas

Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos,
poder e força de Atenas

Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas

Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos,
bravos guerreiros de Atenas

Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas

Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos
os novos filhos de Atenas

Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas

Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos,
heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos,
orgulho e raça de Atenas



Chico Buarque

quinta-feira, outubro 29, 2009

Coitado! que em um tempo choro e rio

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Duma cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!



Luis de Camões

quarta-feira, outubro 28, 2009

Tudo o que faço ou medito



Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço.



Fernando Pessoa
Foto retirada da net

terça-feira, outubro 27, 2009

Senhora, partem tão tristes



Senhora partem tão tristes
Meu olhos por vós, meu bem
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
em mil vezes que da vida.

Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.



João Roiz de Castelo Branco
Imagem retirada da net

segunda-feira, outubro 26, 2009

Súplica



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.



Miguel Torga
Foto retirada da net

sexta-feira, outubro 23, 2009

Short Note



(...)
I've got wild staring eyes
I've got a strong urge to fly
But I've got nowhere to fly to
(...)



Roger Waters - Nobody Home (The Wall)
Foto retirada da net

quinta-feira, outubro 22, 2009

Noite mágica



Estás nos meus braços, no meu colo... Vamos perder-nos em horas de paixão.
Sussurro-te entre beijos, carinhos e suspiros, "adoro-te", "quero-te", "desejo-te".
Dispo-te como sonhei, acaricio-te com ternura, beijo todo o teu corpo, demoro-me a lamber a suculência do teu mel.
E esta emoção, incendeia-me o desejo, preciso de ti com urgência.
Quente e alucinado, entre as tuas pernas, percorro o teu pescoço, o teu peito e vou gemendo, "minha querida", "meu amor".
Rápida, incontrolável e desenfreada, a ejaculação explode, vibrante, nas delícias macias do teu interior quente e húmido.
Seguro-te nas ancas, trespassado por intensos e profundos delírios de prazer, tão avassaladores que grito bem alto, com as tuas coxas na minha cintura, a confissão de todo o meu amor.



Toni
Foto retirada da net

quarta-feira, outubro 21, 2009

Pedra Filosofal



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.



António Gedeão in Movimento Perpétuo, 1956
Foto retirada da net

segunda-feira, outubro 19, 2009

Livro de Horas



Aqui diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,

e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

Me confesso
o dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!



Miguel Torga
Foto retirada da net

quinta-feira, outubro 15, 2009

Diálogos... (II)



O velho pousou o copo no tampo metálico da mesa.
Enquanto atava e desatava as suas recordações, contemplava placidamente as cores vivas do poente.
A mais recente das recordação, foi porém interrompida pela visão daquela bela mulher.

Focava agora toda a atenção, no cabelo cor de mel até ao meio das costas e no corpo esguio e esbelto que, graciosamente, se sentou a seu lado.
A sua pose irradiava serenidade, mas o olhar, dois sois negros sem brilho, era profundamente escuro e vazio.
Então compreendeu. Aquela mulher alta e bela, estava ali por sua causa.

- Porque te pareces tanto com ela? - perguntou.
- Para não te assustares.
- Queres falar-me...

O olhar negro, sem brilho e vazio, fixou-o. A perspicácia do velho desconcertou-a:

- Não costumo ter oportunidade... Acho que gostam de me manter ocupada.
- Vem comigo. Caminhemos...

A conversa decorreu serena, porém, cheia de curiosidades, como se dois amantes recentes tentassem descobrir o máximo do mundo do outro.
Então, após uma breve pausa, ela afirmou:

- Não foi culpa tua, o que aconteceu.
- Porque dizes isso?
- Porque é o que tu sentes. É da natureza humana...
- Há escolhas certas e há as erradas. E eu acabei com o que me era mais precioso. Disso, sou culpado.
- Um conjunto de circunstâncias que tu nunca podias dominar, assim o determinou. Na hora certa, eu só tinha de estar no lugar certo. E estava... Nunca me atraso.
- Nunca?
- Tudo gira em torno de um equílibrio. Se o perturbamos... Há consequências.
- Então não te atrases comigo.
- Certamente que não. Não abro excepções.

- Não?
- Nunca!
- E não te custa? Quer dizer, em algumas circunstâncias...
- Ás vezes é doloroso fazer o que tem de ser feito. E sim, foi difícil levá-la...
- Vou poder vê-la?
- Suponho que irás encontrá-la.

- Quando voltas... para mim?
- Brevemente...


Toni
Imagem retirada da net

quarta-feira, outubro 14, 2009

Also Sprach Zarathustra



"O Estado é o nome do mais frio de todos os monstros gelados. Aliás, ele mente duma maneira fria e a mentira que sai da sua boca é esta: Eu, o Estado, sou o Povo."

"O Estado mente em todas as línguas acerca de bem e do mal; tudo o que ele diga é mentira, tudo o que ele tenha, é roubo. Nele tudo é falso: morde com dentes roubados, o cão malvado."


F. Nietzsche - Assim falou Zaratustra
Imagem - Gustave Dore

sexta-feira, outubro 09, 2009

Avisos Paroquiais

Avisos afixados nas portas de igrejas, todos eles reais, escritos com muita boa vontade, mas com péssima redacção:


"Quinta-feira, às cinco da tarde, haverá uma reunião do grupo de mães.
Todas as senhoras que desejem formar parte das mães, devem dirigir-se ao escritório do pároco."

"Interessados em participar do grupo de planeamento familiar, entrem pela porta de trás."

"Sexta-feira, às sete, as crianças do Oratório farão uma representação da obra Hamlet, de Shakespeare, no salão da igreja.
Toda a comunidade está convidada para esta tragédia.

"Assunto da catequese de hoje: Jesus caminha sobre as águas.
Assunto da catequese de amanhã: Em busca de Jesus."

"O coro dos maiores de sessenta anos vai ser suspenso durante o Verão, com o agradecimento de toda a paróquia."

"O mês de Novembro terminará com uma missa cantada por todos os defuntos da paróquia."



Recebido por email

quinta-feira, outubro 08, 2009

Mudam-se os tempos



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Luis de Camões
Foto retirada da net

quarta-feira, outubro 07, 2009

Quero...



Cair nos teu braços, afundar-me nos teus olhos, enlouquecer com os teus beijos, perder-me na tua alma.

Viver contigo momentos cheios de paixão, sussurrar o teu nome, com palavras de amor.
Amar-te nua, amar-te sem dia, sem hora, sem medo, sem limites.

Gemer e gritar por ti nos delírios do prazer.
Conhecer todas as estrelas do universo estando dentro de ti.
Inundar-te de amor com muita ternura, paixão e desejo.



Toni
Foto retirada da net

terça-feira, outubro 06, 2009

1979 vs. 2009

Situação:
O fim das férias.

1979: Depois de passar 15 dias com a família atrelada numa caravana puxada por um Fiat 600 pela costa de Portugal, terminam as férias. No dia seguinte vai-se trabalhar.
2009: Depois de voltar de Cancún de uma viagem com tudo pago, terminam as férias. As pessoas sofrem de distúrbios de sono, depressão, seborreia e caganeira.

Situação:

Chega o dia de mudança de horário de Verão para Inverno.

1979: Não se passa nada.
2009: As pessoas sofrem de distúrbios de sono, depressão e caganeira.

Situação:

O Pedro está a pensar ir até ao monte depois das aulas, assim que entra no colégio mostra uma navalha ao João, com a qual espera poder fazer uma fisga.

1979: O director da escola vê, pergunta-lhe onde se vendem, mostra-lhe a sua, que é mais antiga, mas que também é boa.
2009: A escola é encerrada, chamam a Polícia Judiciária e levam o Pedro para um reformatório. A SIC e a TVI apresentam os telejornais desde a porta da escola.

Situação:

O Carlos e o Quim trocam uns socos no fim das aulas.

1979: Os companheiros animam a luta, o Carlos ganha. Dão as mãos e acabam por ir juntos jogar matrecos.
2009: A escola é encerrada. A SIC proclama o mês anti-violência escolar. O Jornal de Notícias faz uma capa inteira dedicada ao tema, e a TVI insiste em colocar a Moura-Guedes à porta da escola a apresentar o telejornal, mesmo debaixo de chuva.

Situação:

O Jaime não pára quieto nas aulas, interrompe e incomoda os colegas

1979: Mandam o Jaime ir falar com o Director, e este dá-lhe uma bronca de todo o tamanho. O Jaime volta à aula, senta-se em silêncio e não interrompe mais.
2009: Administram ao Jaime umas valentes doses de Ritalin. O Jaime parece um Zombie. A escola recebe um apoio financeiro por terem um aluno incapacitado.

Situação:

O Luís parte o vidro dum carro do bairro dele. O pai caça um cinto e espeta-lhe umas chicotadas com este.

1979: O Luís tem mais cuidado da próxima vez. Cresce normalmente, vai à universidade e converte-se num homem de negócios bem sucedido.
2009: Prendem o pai do Luís por maus-tratos a menores. Sem a figura paterna, o Luís junta-se a um gang de rua. Os psicólogos convencem a sua irmã que o pai abusava dela e metem-no na cadeia para sempre. A mãe do Luís começa a namorar com o psicólogo. O programa da Fátima Lopes mantém durante meses o caso em estudo, bem como o Você na TV do Manuel Luís Goucha.

Situação:

O Zezinho cai enquanto praticava atletismo, arranha um joelho. A sua professora Maria encontra-o sentado na berma da pista a chorar. Maria abraça-o para o consolar.

1979: Passado pouco tempo, o Zezinho sente-se melhor e continua a correr.
2009: A Maria é acusada de perversão de menores e vai para o desemprego. Confronta-se com 3 anos de prisão. O Zezinho passa 5 anos de terapia em terapia. Os seus pais processam a escola por negligência e a Maria por trauma emocional, ganhando ambos os processos. Maria, no desemprego e cheia de dívidas suicida-se atirando-se de um prédio. Ao aterrar, caiem cima de um carro, mas antes ainda parte com o corpo uma varanda. O dono do carro e do apartamento processam os familiares da Maria por destruição de propriedade. Ganham. A SIC e a TVI produzem um filme baseado neste caso.

Situação:

Um menino branco e um menino negro andam à batatada por um ter chamado 'chocolate' ao outro.

1979: Depois de uns socos esquivos, levantam-se e cada um para sua casa. Amanhã são colegas.
2009: A TVI envia os seus melhores correspondentes. A SIC prepara uma grande reportagem dessas com investigadores que passaram dias no colégio a averiguar factos. Emitem-se programas documentários sobre jovens problemáticos e ódio racial. A juventude Skinhead finge revolucionar-se a respeito disto. O governo oferece um apartamento à família do miúdo negro.

Situação:

Fazias uma asneira na sala de aula.

1979: O professor espetava duas valentes lostras bem merecidas. Ao chegar a casa o teu pai dava-te mais duas porque 'alguma deves ter feito'
2009: Fazes uma asneira. O professor pede-te desculpa. O teu pai pede-te desculpa e compra-te uma Playstation 3.



Recebido por email

quinta-feira, outubro 01, 2009

Frase do dia



Uns são filhos da puta, outros não, e isso é tudo.


Jack Kerouac
Foto retirada da net